Em uma das regiões mais altas do sul do Brasil, Três Coroas, no Rio Grande do Sul, fica um pedacinho do continente asiático. Andar por lá é ter a chance de conhecer não apenas as tradições milenares, mas entender umas das marcas do povo tibetano: respeitar tudo o que é nativo, que brota da terra.
No meio do mato, o tibetano Ogen mostra onde costuma colher um dos temperos mais usados na comida tibetana: o gengibre. Mas apesar de ser uma herança asiática, esse é 100% brasileiro! Ogen descobriu o gengibre a partir de lembranças da infância que não ficaram para trás mesmo depois de ter fugido da dominação chinesa no Tibet.
Globo Repórter :E quem é que falava que fazia bem pra saúde, sua família?
Ogen Shak, chefe de cozinha: Meu pai, porque normalmente no Tibet se usa temperos tudo mais nativos. Ogen busca cada pedaço de raiz como se fosse um garimpeiro procurando a melhor pedra preciosa.
Globo Repórter:E o que o pessoal diz que você está colhendo aqui no mato, desse jeito?
Ogen Shak: O pessoal acha que eu sou louco!
Tudo o que ele tira da terra vai direto para as panelas. As comidas que prepara têm como base pimenta, molho de soja e gengibre nativo.
Mas afinal, o que o gengibre tem de tão especial? A gente já sabe que ele aumenta nossas defesas, combate inflamações e enjoos e dá ânimo. Agora, ele é um dos ingredientes estudados na Universidade Federal do Rio de Janeiro para encontrar uma combinação poderosa contra o câncer.
Ao misturar o gengibre com páprica, cúrcuma e pimenta-do-reino, a equipe liderada pela pesquisadora Eliane Fialho descobriu que esses temperos, quando consumidos juntos, têm efeitos impressionantes sobre células de câncer de mama e de leucemia.
“O que a gente consegue identificar é que, ao adicionar os compostos presentes nessas especiarias, a gente leva a célula cancerosa à morte. Isso é muito interessante porque, apesar da gente estar trabalhando com cultura de célula, ainda não chegou ao estudo com humanos, que são ensaios clínicos, a gente tem uma perspectiva muito boa da atuação desses compostos bioativos”, afirmou Eliane Filho, professora do Instituto de Nutrição da UFRJ.
O que já se sabe é que a piperina – substância presente na pimenta do reino – faz com que células de câncer resistentes à quimioterapia absorvam melhor o tratamento.
“Normalmente, o medicamento sai da célula, ele é expulso da célula. A piperina, o que ela faz, é tentar manter o mecanismo bioquímico de forma com que aquilo fique internalizado”, explicou Eliane Filho.A mistura de ingredientes feitas em laboratório está inspirando nutricionistas e chefes a criarem receitas especiais e muito práticas de fazer em casa. Sabe aquela sopa de abóbora fácil de fazer? É só acrescentar a mistura que deu certo no laboratório: a pimenta do reino, cúrcuma e páprica picante.
“É uma arte com ciência. A gente precisa trazer toda essa beleza, todo esse sabor, mas além disso precisa ter um resultado para saúde também. Por que as pessoas hoje em dia consomem muitas preparações e muitos alimentos sem saber ao certo o que aquele alimento traz para o organismo delas”, diz.